Domingo, 21 de Setembro de 2008
Açores, 15/19 de Setembro de 2008
Ex.mo Senhor
Carlos César
Presidente do Governo Regional dos Açores
Junto com outra correspondência de correio, recebi o “Kit Autonómico”, encomenda do Governo a que preside.
Ouvi as duas versões do hino. Li o texto da poetisa Natália Correia. Vi a bandeira e o livrinho das insígnias. Li a sua carta.
Obrigado.
Profissional a realização como profissional o lôgro.
Parabéns pelo profissionalismo.
A quem se sustém sustendo-vos, e sustendo-vos e sustendo-se mais sonega, também os meus parabéns. Em boa hora a troca com quem o precedeu na Presidência.
A embalagem e a palavra de ordem são tão subliminarmente significativas como ostensivamente significativas as palavras que nos dirige.
Realmente, como “elementos referenciadores da nossa vida colectiva enquanto Região”, mal estamos com esses símbolos, cada vez mais vazados de sentido, aliás, tal a subversão, numa competição entre quem mais pode, da natureza, da cultura, das pessoas, com que em troca da monopolização de recursos e da reclassificação da mercadoria humana nos lançam à cara, impantes, o progresso e desenvolvimento obrados. As regras (nomos) que imperam nas casas (oikos) da economia - “oikos nomos” - burguesa explica a resposta a necessidades públicas e a tomada de decisões políticas sempre que e só quando tal garanta a maximização do lucro de pessoas e grupos suficientemente capacitados e agressivos para o reivindicar e impor.
É bom que assim seja. Para quem da palavra descrê nada mais elucidativo do que aquilo que a prática evidencia.
Autonomia? Sim. À luz de quem mais se apropria, mais anula, mais impõe, mais domina, mais humilha. À luz da concorrência e da agressividade. À luz de quem tem de ter tudo ganho em detrimento do ganho daqueles para os quais o ganho se destina. À luz, inclusive, de quem tem tudo previamente ganho em detrimento do ganho daqueles que formalmente, nesta “democracia”, o ganho licenciam!
Para tal, efectivamente, nada melhor do que “em paz sujeitos”.
A humilhação institucional e o isolamento organizativo dos que tal inconcebem e dos que o recusam são significativos da crise instalada.
Crise, é cada vez mais evidente, que só os que trabalham podem vencer. Crise tanto mais aguda quanto sobre quem trabalha mais se exerce a ocultação, a prepotência, o saque, a violência, o ludíbrio, a exclusão.
Vivemos uma crise de regime.
O estertor duma ordem social, dum modo de produção e de distribuição sem ponta por onde se lhe pegue que não viole, que se não contradiga, que se não faça passar pelo que não é, e negue logo a seguir tal assunção!
Uma farsa a sério!
Com cacete e garrote a matar!
Sejamos dignos da luta dos trabalhadores da SATA!
Quero pessoalmente manifestar o meu mais inequívoco e firme apoio aos trabalhadores da SATA pela exemplar luta que travam.
Uma luta, em primeiro lugar, contra a desvirtuação da condição de trabalhador - o “pessoal”, na grosseira qualificação com que Carlos César, em plena Assembleia Regional, não há assim tanto tempo atrás, apelidou os açorianos que trabalham.
Uma luta contra a destruição dos órgãos próprios dos trabalhadores, órgãos aliás legitimados pela Constituição Portuguesa. Constituição que os próceres que nos governam só naquilo que lhes convém sabem evocar.
Os trabalhadores da SATA, é importante não esquecer, contra toda a sorte de maquinações, ludíbrios, ocultações, intimidações, e tendo de recorrer a todas as instâncias da Justiça, conseguiram manter operativa a sua Comissão de Trabalhadores e fazer-se legitimamente representar na Administração da empresa. Este feito, calado ou secundarizado por quase toda a nação, devia estar na primeira página das atenções de quem do trabalho dos outros não faz negócio, de quem recusa não só o brutal mas também o sofisticado negócio da escravatura assalariada, de quem no trabalho profissional vê uma prestação útil e não pasto para a ganância e a fantasia de magnates e pimpões.
Uma luta, também, contra o desmantelamento duma empresa regional. Desmantelamento calendarizada e cuidadosamente caboucado por um governo que se reclama de Regional e de Autonómico!
Enquanto açoriano fica aqui o meu testemunho que espero seja publicado na imprensa regional.
Quero ainda acrescentar o mais vivo repúdio pela tentativa de, na televisão regional, nas notícias de hoje da manhã, se procurar acefalizar os trabalhadores da SATA e desprestigiar o carácter e a inteireza da sua luta, classificando a greve de “política” com conotação expressa à “CDU” a que, segundo o jornalista, alguns trabalhadores pertenceriam. Na concepção do apresentador de serviço então o que for conotado como do “PS”, por exemplo, já não é “político”? Não é “político” o surf no que é dos outros com que se excita e exercita o “PS” em todas as frentes e em todos os campos para gáudio de uns tantos espertos, aplauso dos basbaques da corte, e humilhação e saque a nós outros quase todos? Não são “políticas” as decisões que o governo ou o parlamento assumem? Haja pudor!
Como trabalhador, como profissional, quero ainda fazer votos para que os meus colegas professores olhem para a dignidade destes outros trabalhadores e reconsiderem a estratégia de cobarde venalidade a que têm dado cobertura e força. Vou, aliás, enviar cópia do que aqui exponho ao Conselho Executivo da Escola Secundária Antero de Quental, onde exerço a docência, e ao Sindicato dos Professores em que estou inscrito, com o pedido de público apoio à luta dos trabalhadores da SATA assumido pela singularidade e firmeza que bem devem servir de exemplo também aos professores e às suas organizações e representações.
Não deixemos ficar isolado quem trabalha e luta com expressas razões de Estado e determinado pundonor.
Só os trabalhadores podem vencer a crise agudamente agravada por aqueles que nos trabalhadores só vêem carne para canhão e pessoal para os servir!